Nas sociedades atuais, de modo geral, a expressão tempo livre é identificada como o período que o ser humano possui após cumprir as tarefas exigidas pela esfera do trabalho (ou a esfera educacional, entre os jovens). Na medida em que, em sua maioria, o trabalho não é considerado como uma área de realização humana, mas como obrigação que se impõe socialmente como meio necessário para garantir a subsistência, o tempo livre se apresenta, por oposição, como um tempo de liberdade fora das instâncias produtivas.
No entanto, o tempo livre também cumpre uma função dentro do sistema produtivo, regido pela lógica do sistema capitalista de produção, pois é considerado um intervalo necessário para a reposição das forças produtivas, ou seja, um momento de pausa para que os trabalhadores reabasteçam suas energias e, então, voltem ao trabalho. Nesse sentido, o tempo livre surge como um complemento, que não escapa à alienação do homem que ocorre de forma paradigmática no ambiente de trabalho. Cabe destacar que, no contexto do capitalismo, a cultura configura-se como uma indústria, que faz do entretenimento uma mercadoria de consumo na forma de prazer. Assim, o tempo livre também é explorado pelo mercado e, portanto, o ideal de que ele seja um espaço no qual o indivíduo é totalmente livre é apenas aparente.
Nas sociedades pós-industriais do século XXI, o tempo livre aumentou em relação ao tempo disponível para descanso nas sociedades industriais dos séculos passados. Isso é consequência da redução da jornada de trabalho, por sua vez, provocada em grande parte pelos desenvolvimentos tecnológicos que permitiram, progressivamente, a substituição do trabalho humano por maquinário. No entanto, essa situação não se refletiu em uma melhora nas condições de vida dos trabalhadores, mas sim em uma tendência de aumento do desemprego e da informalidade.
Sob outras perspectivas, é possível repensar a noção de tempo livre, deslocando-a do ponto de vista funcionalista, em virtude do qual seu objetivo final é aumentar a produtividade compensando o desgaste gerado pelo trabalho. Então, pode ser considerado como um momento que colabora com a transformação dos valores vigentes na sociedade, a partir dos quais se justifica a desigualdade.
A aposta, neste caso, é promover uma visão do tempo livre em termos de lazer criativo, que represente uma possibilidade de reflexão sobre as atuais condições de vida e imaginação de outros modos de vida que sirvam à emancipação, à realização da autonomia coletiva e à criação de uma ordem social mais justa.
Na antiguidade clássica, a consideração do real conceito de tempo livre não estava vinculada, ao contrário da visão atual, a uma concepção de “tempo perdido em vão” ou “malgasto”, ao contrário, constituía uma dimensão fundamental da vida em comunidade. Para os gregos, a finalidade da atividade de lazer era o autocultivo, dentro do grupo social. Isso incluía tanto atividades intelectuais, como a prática de ginástica quanto o treinamento do corpo para competição. Note-se que a condição para a possibilidade de se usufruir de tempo livre, na Grécia clássica, era a diferenciação da sociedade em duas classes bem diferenciadas por sua esfera econômica de pertencimento, isto é, a dos cidadãos livres e a dos escravos.
A exploração do trabalho braçal das classes populares, majoritariamente escravas, era o que permitia aos cidadãos livres contar com tempo extra para se dedicar ao lazer, que estava associado a atividades de natureza intelectual, como reflexão teórica ou a contemplação. Em última análise, que o trabalho realizado pelas massas de escravos foi o que possibilitou o exercício do lazer pelas classes privilegiadas.
Artigo de: Lilén Gomez. Professora de Filosofia, com desempenho em ensino e pesquisa em áreas da Filosofia Contemporânea.
Referencia autoral (APA): Gomez, L.. (nov., 2022). Conceito de Tempo Livre. Editora Conceitos. Em https://conceitos.com/tempo-livre/. São Paulo, Brasil.