Conceito de Gênero

Agustina Repetto | Janeiro 2023
Licenciada em Psicologia

Gênero é uma categoria social heterogênea usada para suprir a variedade de experiências e vivências humanas. Inclui, por exemplo, identidades, expressões e papéis de gênero e orientação sexual.
Pensar sobre gênero e seus significados leva-nos a perguntar sobre o grau de verdade de afirmações que costumamos dar como certa. Verdades, ideais, crenças, práticas e normas sociais que para quem não faz parte do hegemônico, ou seja, do socialmente instituído, imposto e reconhecido como válido e legítimo, são opressivas e violentas.

Como aponta Judith Butler, gênero é uma categoria aberta e flexível que inclui não apenas o que é normativo em um dado momento sócio-histórico, como a produção do “masculino” e do “feminino”, mas também as experiências que estão fora dessa lógica binária. De fato, o gênero foi sendo conceitualizado de formas distintas ao redor do mundo ao longo da história. Ainda hoje coexistem várias maneiras de entendê-lo. Portanto, sustentar que o gênero é apenas masculino ou feminino é, no mínimo, um discurso profundamente reducionista.

O que a sociedade normatiza?

Para responder a esta questão, é necessário primeiro ter em conta que, quando falamos de normas, estamos nos referindo também a todas aquelas práticas que consideramos implicitamente normalizadas. Giddens, um sociólogo inglês, cunhou o conceito de Consciência Prática para satisfazer todas aquelas questões implícitas (como algumas crenças e conhecimentos) que nos fazem agir de determinada maneira na vida cotidiana. Se tomarmos esse conceito para analisar a categoria gênero, percebemos imediatamente que o que nossa sociedade tende a “normalizar” é o dimorfismo sexual, o gênero binário (masculino/feminino) a heterossexualidade, a relação entre identidade de gênero, expressão e papel, entre outras questões possíveis. Embora a Consciência Prática trabalhe com um mecanismo cognitivo que nos permite certa economia psíquica, ela pode nos levar a erros e a cair em vieses, ao passar por naturais as questões sociais. Por isso, para evitar erros e vieses nos processos de naturalização, é preciso dar visibilidade à construção social de gênero. Uma tarefa para a qual leituras de Feminismos Críticos, Teorias Queer e Teorias Intersexuais são essenciais.

Mais adiante daremos alguns exemplos do que acabamos de dizer. Mas primeiro é necessário recordar as definições de alguns conceitos, considerando que qualquer definição representa sempre uma construção provisória.

Dimorfismo sexual: Conceito utilizado principalmente no campo biomédico que sustenta a crença de que existem apenas dois sexos biológicos “normais” que se referem às características físicas que distinguiriam macho e fêmea. É um conceito profundamente questionado na atualidade, pois designa todas as outras expressões biológicas como anormais.

Intersexo: Pessoas que não se enquadram biologicamente nas normas do dimorfismo sexual genital. Por exemplo, existem pessoas com cromossomos XY (que são biologicamente designados como “masculinos”) que possuem um sistema reprodutor considerado “feminino” (útero, ovários, etc.). Atualmente, se luta por uma despatologização destes indivíduos já que a lógica do modelo biomédico entende esta condição como um distúrbio genético.

Endossexo: Refere-se a pessoas que estão em conformidade com as normativas de dimorfismo sexual.

Identidade de gênero: Refere-se a como cada pessoa experimenta e vivência seu gênero. Existem tantas identidades quanto pessoas no mundo.

Cisgênero: Pessoas que se identificam com o gênero atribuído no nascimento.

Transgênero: Pessoas que não se identificam com o gênero atribuído no nascimento.

Cisheteronormatividade: Norma que naturaliza a heterossexualidade e a identidade cisgênero, ou seja, a tendência da maioria das pessoas de considerar que todos são cis e heterossexuais.

O viés de causalidade

Lu Ciccia, graduada em Biotecnologia e doutora em Estudos de Gênero pela Universidade de Buenos Aires, destaca como o discurso científico endossou, desde suas origens, a hierarquização do gênero cis-masculino ao legitimar a lógica binária. Nas investigações que a autora faz, ela menciona que um dos erros em que cai o discurso científico é o viés da casualidade. Poderíamos acrescentar que não apenas o discurso científico cai nesse viés, mas que é um erro que todas as pessoas cometem em algum momento. Refere-se ao fato de estabelecer explicações de causa-efeito para questões que realmente só são explicadas por conexões de correlação, ou seja, variáveis que se relacionam, mas não de forma que uma cause naturalmente a outra.

Por exemplo, assume-se que uma determinada genital contribui causalmente para o desenvolvimento de uma certa identidade de gênero. Ou seja, se um bebê nasce com pênis, é atribuído ao sexo masculino. Mas isso não constitui uma relação causal natural, e sim estatística. Em outras palavras, é mais comum encontrar homens com pênis do que com vulva.

Outro erro é confundir identidade de gênero com expressão de gênero. Por exemplo, se vemos alguém de vestido, deduzimos ser uma mulher cis, ou se alguém tem barba, deduzimos ser um homem cis.

Como se entende o que está fora da norma?

Como anormal ou patológico. Em The Disputed Gender, Judith Butler propõe uma série de argumentos para legitimar corpos que foram historicamente discriminados por não se adequarem ao que é considerado normal. Neste ponto é importante visibilizar os conceitos de saúde/doença, normal/anormal como construções sociais, determinadas em seu significado e domínio, razão pela qual sanciona, através da repetição de discursos e práticas, uma cultura em um momento pontual. Nesse sentido, é relevante deixar explícito que, embora diferentes Organizações e Instituições, referências internacionais em Saúde, tenham excluído orientações sexuais e identidades diversas – não cisheteronormativas – dos Transtornos Mentais, ainda há muito a ser feito.

Artigo de: Agustina Repetto. Graduada em Psicologia, pela Universidade Nacional de Mar del Plata. Atualmente é pós-graduanda em Sexualidade Humana: sexologia clínica e educacional a partir da Perspectiva de Gênero e Direitos Humanos.

Referencia autoral (APA): Repetto, A.. (Janeiro 2023). Conceito de Gênero. Editora Conceitos. Em https://conceitos.com/genero/. São Paulo, Brasil.

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