O dom, a nível sociocultural, refere-se a uma capacidade ou habilidade natural inerente e única ao indivíduo, ao qual foi dado, por exemplo, o dom da vida desde a essência do ser, ou uma habilidade particular em um esporte. No quadro produtivo adapta-se à ideia do que alguém dá desinteressadamente ao outro, sem ser necessariamente algo material, ou seja, pode ser apenas um gesto, uma palavra, em torno de forjar um vínculo que constrói efeitos positivos de confiança e tratamento para o desenvolvimento de uma comunidade ou grupo social.
O termo vem do latim donum —traduzido para o português como oferenda ou dádiva—, derivado, por sua vez, do verbo do, como ‘dar’. A ideia do dom está muito presente na tradição bíblica, assim como também foi retomada no campo das humanidades e das ciências sociais.
A noção de dom nas sociedades pré-coloniais foi estudada pelo antropólogo Marcel Mauss (1872-1950), que entendia a troca como fator constitutivo de todas as atividades sociais. Nessas sociedades, a troca de bens, riquezas ou produtos não ocorre de forma simples entre os indivíduos, mas são as coletividades —sejam clãs, tribos ou famílias— que trocam entre si, através das pessoas físicas que especificam a ação. No mesmo sentido, o que se troca não são exclusivamente objetos de utilidade econômica, mas, fundamentalmente, objetos simbólicos: cortesias, danças, ritos, festas, serviços militares, mulheres, crianças.
Mauss chama essa organização de troca de: economia do dom, em que os objetos são entregues sem a mediação de um acordo explícito de recompensa em um tempo determinado, mas no quadro de um contrato mais geral e permanente, que excede a circulação de riquezas. Ao contrário do que a sociedade ocidental concebe, o que torna os objetos de troca comparáveis não é estarem sujeitos à lei do valor, mas compartilharem o caráter comum de serem transferíveis, mesmo quando não são iguais ou têm o mesmo valor.
Na lógica do dom, há um contrato implícito que obriga à restituição da doação juntamente com um complemento. Por esta razão, o dom nunca é desinteressado, pois, embora não haja retribuição programada, o prestígio de quem recebe o dom obriga-o a devolvê-lo com usura em relação à coisa concedida, pois só assim o referido prestígio pode aumentar.
Nas sociedades ocidentais contemporâneas, a ideia de troca é baseada na noção de valor de troca que é atribuído aos produtos no mercado. Porém, nas sociedades que a antropologia clássica chamava de primitivas, a concepção de troca não se baseava em uma ideia de equivalência de valores do que se trocava, mas sim na reciprocidade ilimitada da própria troca. O trabalho investido no objeto que se destina a ser trocado tem caráter ritual e, nesse sentido, é pensado como um dom, ou seja, do que se dá e se perde, sem esperar em troca uma retribuição pela energia gasta no processo de produção.
Um dos interlocutores que tem problematizado a figura do dom na obra de Marcel Mauss foi o filósofo Jacques Derrida (1930-2004), que propõe uma lógica alternativa do dom, na perspectiva da desconstrução. Derrida enfatiza a diferença entre dom e troca, caracterizando a primeira por não envolver retribuição. No entanto, isso leva a uma formulação aporética —isto é, a um beco sem saída—, pois, na medida em que algo é reconhecido como dom, permanece inscrito em um esquema de restituição.
O dom e a troca pertencem a lógicas exclusivas, na medida em que a primeira encarna um valor estrutural, definido pelo caráter excessivo que está na base da doação, ao contrário da segunda, que implica uma transação imediata, na qual ocorre uma mera circulação de bens. Na economia do dom, aponta Derrida, a dimensão do material está atrelada à do simbólico, por meio de um ato que desloca a estrutura condicionante característica da troca. Para o filósofo, o interessante da noção de dom reside no fato de ela constituir um regime que resiste ao da produtividade, permanecendo como um acontecimento irredutível.
Artigo de: Lilén Gomez. Professora de Filosofia, com desempenho em ensino e pesquisa em áreas da Filosofia Contemporânea.
Referencia autoral (APA): Gomez, L.. (Julho 2023). Conceito de Economia do Dom. Editora Conceitos. Em https://conceitos.com/economia-dom/. São Paulo, Brasil.