Conceito de Consciência

Lilén Gomez | Março 2023
Professora de Filosofia

O conceito de consciência refere-se, em geral, à capacidade de reconhecer um ato assim que ele ocorre, seja em relação a si mesmo (autoconsciência ou sentido interno) ou ao mundo externo. Ser consciente de algo implica ter um conhecimento sobre isso. Por exemplo, temos consciência do que observamos/vivenciamos quanto estamos acordados, mas não temos consciência do que acontece enquanto dormimos.

A consciência para Descartes

A questão da consciência estabeleceu-se, na modernidade, como objeto central de estudo para a filosofia. O desenvolvimento da ideia de consciência como um espaço de representação separado do mundo constitui um dos traços mais característicos da modernidade filosófica. René Descartes (1596-1650) foi um dos principais filósofos a teorizar sobre a consciência nesse período, descrevendo-a em suas “Meditações Metafísicas” (1641) por meio de uma metáfora teatral: a consciência é, portanto, o teatro de nossas representações, já que é um espaço interno (lugar do cogito ou res cogitans, isto é, da coisa que pensa) no qual as coisas do mundo externo aparecem, na forma de representação (a res extensa, isto é, as coisas materiais).

A forma como Descartes compreende a consciência se baseia em sua concepção dualista do mundo, segundo a qual há uma diferença radical entre a atividade mental interior, identificada com o “eu” (ego cogito), e as coisas do mundo externo, sensíveis e materiais.

A teoria de Hume

O filósofo empirista David Hume (1711-1776), em seu Tratado sobre a Natureza Humana (1739), desenvolveu uma crítica à concepção racionalista de consciência desenvolvida por Descartes, que foi central para a história do pensamento moderno. Para Hume, todas as nossas ideias são derivadas de impressões que obtemos por meio da experiência. No caso do ‘eu’, porém, não temos nenhuma impressão de que se mantenha ao longo do tempo e que possamos vivenciar por meio de nossa própria introspecção. Portanto, é uma ideia que não vem de uma impressão, mas consiste em uma ideia complexa que compomos através de outras ideias simples. Cada vez que direcionamos nossa atenção para dentro, encontramos estados particulares: sentimentos, sensações ou pensamentos. A ideia do ‘eu’ não deriva de nenhum deles, mas explica-se por que atribuímos a qualidade de substância à passagem contínua de um estado a outro através da série de impressões encadeadas na experiência, por meio de diferentes leis de associação. A consciência ou o ‘eu’, nesse sentido, é uma ficção à qual recorremos porque é útil para a vida prática.

A consciência para Kant

Recuperando tanto a herança do racionalismo como do empirismo, Immanuel Kant (1724-1804), concebeu a consciência através da noção —decisiva na passagem da modernidade para a contemporaneidade— de apercepção transcendental. Kant, na “Crítica da Razão Pura” (edição de 1787), defende que temos uma consciência empírica, pela qual percebemos que estamos percebendo, mas, ao mesmo tempo, os sujeitos requerem uma consciência transcendental à qual referir a multiplicidade de representações que ocorrem na intuição. Caso contrário, a experiência seria impossível, pois estaríamos diante de um constante caos de percepções. Assim, a apercepção transcendental consiste no polo unitário ao qual remetemos todas as nossas percepções, que é, então, uma condição de possibilidade da experiência, para que tal experiência possa ser sintetizada como nossa. A apercepção transcendental é o fundamento da unidade da consciência empírica, na medida em que é uma consciência mais originaria que acompanha todas as nossas representações (ou seja, é a consciência interna de todos os nossos estados mentais) e as remete à unidade do “EU”.

A ideia clássica de consciência como uma unidade foi posteriormente criticada por autores contemporâneos, de mãos dadas com a crítica da concepção moderna de subjetividade. Nesse sentido, por exemplo, a atividade mental pode ser considerada múltipla, assim como a identidade do eu pode ser entendida como variável no tempo.

Artigo de: Lilén Gomez. Professora de Filosofia, com desempenho em ensino e pesquisa em áreas da Filosofia Contemporânea.

Referencia autoral (APA): Gomez, L.. (Março 2023). Conceito de Consciência. Editora Conceitos. Em https://conceitos.com/consciencia/. São Paulo, Brasil.

  • Compartilhar
Copyright © 2010 - 2024. Editora Conceitos, pela Onmidia Comunicação LTDA, São Paulo, Brasil - Informação de Privacidade - Sobre