Conceito de Mitologia

Lilén Gomez | Janeiro 2022
Professora de Filosofia

A mitologia é entendida como o conjunto de mitos pertencentes a uma determinada cultura (assim, a mitologia grega consiste em uma série de mitos fundadores de seus povos —por exemplo, a Teogonia de Hesíodo constitui uma mitologia típica—); e, em sentido específico, ao estudo científico dos mitos, a partir de disciplinas como a antropologia, linguística, filologia, entre outras.

A palavra mitologia, do latim tardio mythologĭa, baseia-se no grego μυθολογία (mythología), constituída pelos termos μῦθος (mŷthos), que designa um tipo de discurso formulado, seja um diálogo ou uma história, e λόγος (lógos), que se refere à palavra de forma geral, contemplando as diversas formas do que é dito. O campo do mito costuma ser associado a discursos sagrados, relacionados a deuses ou heróis e, por isso, muitas vezes é contrastado com o logos entendido como uma forma racional de discurso. Entretanto, o mŷthos não confronta a ordem do logos, mas faz parte dela.

O mito e a passagem da oralidade à escrita

A noção de mito que nos é mais familiar é aquela que herdamos dos gregos, que marcou as interpretações da génese do pensamento ocidental. Isso se caracteriza por ser uma definição duplamente negativa: o mito não é real, mas fictício; nem racional, mas absurdo ou fantástico (refere-se a acontecimentos maravilhosos, conduzidos por seres sobrenaturais e extraordinários, como monstros, deuses e heróis). Do ponto de vista clássico, a construção histórica da oposição entre mito e discurso lógico-racional está associada, em sua origem, à passagem na Grécia da tradição oral para diferentes formas de literatura escrita.

A escrita constituiu, no que respeita à tradição oral, não só uma nova forma de expressão, mas também de pensamento. Isso se deve ao fato de que, com o discurso escrito, produziu-se um tipo de análise e ordenação conceitual mais abstrato do que aquele organizado pela poética. Tais abstrações deram origem à elaboração de uma linguagem filosófica, acompanhada da utilização de um vocabulário ontológico, referindo-se ao Ser como tal ou ao que existe em geral.

Consequentemente, o logos passou a ser associado a um tipo específico de discurso, cujo valor é racional e demonstrativo, enquanto a história mítica ficaria do lado da narração não argumentativa, que não se orienta para a demonstração mas para o prazer do ouvinte. Nessa perspectiva —já assumida por Platão (427 aC – 347 aC) e Aristóteles (384 aC – 322 aC)—, assim, a filosofia se separa do mito, marcando um distanciamento de ordem intelectual.

O caráter paradoxal do mito no pensamento ocidental

Seguindo a caracterização do mito que herdamos da Antiguidade clássica, ele adquire um estatuto paradoxal: por um lado, o mito aparece como primordial e fundante da cultura; mas, por outro, a mesma tradição do pensamento ocidental não reconhece nele uma função própria para o mito, mas visa diferenciar-se dele, uma vez que lhe atribui o caráter de oposição ao sentido lógico, à razão, à verdade e realidade. Nesse sentido, o mito é hierarquizado em relação ao conhecimento racional da filosofia, apesar do reconhecimento de seu status original.
Consenso em torno da definição de mitos

Há uma série de características geralmente aceitas na definição teórica do mito, a saber: sua função como histórias sobre os primórdios do mundo, pois o mito explica o surgimento de uma determinada ordem, cosmogônica ou antropológica; seu caráter sagrado, pois ultrapassa a divisão entre o sagrado e o profano; e sua autoria social ou coletiva, na medida em que os mitos carecem de autoria individual.

No entanto, a ideia de que a filosofia grega nasceu como um discurso essencialmente racional diante da irracionalidade do mito tem sido amplamente revista e questionada a partir da concepção em que está enquadrada, segundo a qual a Grécia se coloca como origem da civilização contra a barbárie. Numa perspetiva historiográfica, a associação entre o irracional e o mito, bem como entre o racional e a civilização, pode ser entendida como uma projeção no mundo antigo das relações de colonialidade que se desenvolveram fundamentalmente a partir da Modernidade entre o mundo europeu, assumido como o berço da civilização e o mundo colonizado, ao qual foram atribuídos a selvageria e o pensamento mágico, religioso e mítico. Nesse sentido, propõe-se uma profunda revisão da distinção histórica entre mito e filosofia, dado que esta resultaria de uma projeção eurocêntrica atravessada pelas condições materiais do colonialismo; de tal forma que entre ambas as formas discursivas é possível encontrar implicações mútuas.

Artigo de: Lilén Gomez. Professora de Filosofia, com desempenho em ensino e pesquisa em áreas da Filosofia Contemporânea.

Referencia autoral (APA): Gomez, L.. (Janeiro 2022). Conceito de Mitologia. Editora Conceitos. Em https://conceitos.com/mitologia/. São Paulo, Brasil.

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