Feminicídio é o ato consciente e intencional de assassinar a uma mulher apenas por ser mulher. É uma forma extrema de violência de gênero, ou seja, uma agressão exercida sobre uma pessoa de acordo com seu sexo, gênero, orientação ou identidade sexual, tanto na esfera privada quanto na esfera pública.
Por muitos anos, os assassinatos de mulheres foram caracterizados —basicamente pela imprensa— como casos de “crimes passionais”, cujo motivo principal era o ciúme ou a infidelidade. Essa conceituação atribuía como causa de tais episódios os surtos de paixão, de loucura ou emoção violenta dos agressores, provocados pelas ações das vítimas. Nas últimas décadas, a magnitude dos homicídios de meninas e mulheres em diferentes países motivou uma revisão da classificação legal e conceitual desses assassinatos, levando em consideração sua natureza sistemática, bem como suscitou um profundo questionamento sobre a explicação de tais crimes sob a figura da emoção violenta.
Assim, a violência contra a mulher passou a ser pensada em termos estruturais e não se limitando a cada caso particular. Em consonância com essa leitura, a violação dos direitos humanos dessas pessoas é entendida como resultado de uma ordem social dentro da qual as mulheres são consideradas objetos utilizáveis e descartáveis. Nesse contexto, a noção de feminicídio, desenvolvida pelas feministas norte-americanas Diana Russell e Jill Radford em meados da década de 1970, foi gradativamente utilizada para classificar os assassinatos praticados em decorrência da violência de gênero. Em outras palavras, a principal característica de um feminicídio não é constituir uma versão “feminina” do homicídio, mas sim que suas causas remontam a uma estrutura de opressão exercida majoritariamente por homens contra mulheres.
A antropóloga Rita Segato (1951) explica a violência feminicida no quadro de uma desigualdade estrutural entre homens e mulheres, que se organiza na forma do poder patriarcal. O feminicídio, nesse contexto, é entendido como crime de ódio, assim como crimes racistas e homofóbicos. Nessa perspectiva, embora a violência seja exercida de forma interpessoal, ela responde a um sistema impessoal, no qual o abuso e a agressão contra os corpos femininos fazem parte de uma construção simbólica maior, por meio da qual se consolida o imaginário da masculinidade hegemônica. Imagem de iStock Colors.
Os feminicídios constituem crimes de poder, na medida em que cumprem uma dupla função na reprodução das condições de existência do patriarcado: por um lado, a reafirmação da regra de controle ou posse dos corpos femininos, quando as mulheres exercem sua autonomia no uso do próprio corpo em desacordo com aquela norma —seria, portanto, uma agressão com finalidade moralizante e com um fim disciplinar, não só contra o indivíduo que sofre esta violência, mas também, indiretamente, contra todas as pessoas que possam se identificar com ela —. Por outro lado, a distribuição de uma mensagem simbólica, na medida em que, por meio da agressão contra sua vítima, aquele que exerce a violência reafirma sua posição de domínio sobre a sociedade como um todo e tece cumplicidade com seus pares dentro de uma certa forma de masculinidade em particular.
Para Segato, tanto a agressão sexual quanto o caso extremo de feminicídio se explicam por essa dupla função que, em outras palavras, pode ser sintetizada como retenção e reprodução do poder patriarcal.
Cabe destacar que tanto a violência sexual quanto os feminicídios são possíveis na medida em que as próprias instituições do Estado —particularmente o Judiciário— fazem parte de uma ordem patriarcal, o que resulta, em muitos casos, no abandono e na revitimização das vítimas, assim como uma contrapartida à impunidade dos agressores. Por isso, para combater a violência estrutural contra as mulheres —e identidades não cismasculinas— é necessário um compromisso real de todo o aparato estatal para sua erradicação.
Artigo de: Lilén Gomez. Professora de Filosofia, com desempenho em ensino e pesquisa em áreas da Filosofia Contemporânea.
Referencia autoral (APA): Gomez, L.. (Março 2023). Conceito de Feminicídio. Editora Conceitos. Em https://conceitos.com/feminicidio/. São Paulo, Brasil.