Conceito de Experiência

Lilén Gomez | nov. 2022
Professora de Filosofia

Tomando como ponto de partida as bases conceituais estabelecidas pela teoria cartesiana, entende-se por experiência tudo o que ultrapassa os limites do cogito, ou seja, da compreensão racional. Dada a complexidade que oferece, a noção de experiência tem sido uma das mais debatidas ao longo da história do pensamento filosófico em geral, desde suas origens na Antiguidade. Na modernidade, os trabalhos em torno do conceito de experiência foram, por sua vez, constitutivos da ideia emergente de subjetividade, a partir da qual se organizou, a partir deste momento, a relação do ser humano com o mundo ao seu redor.

A elaboração moderna da noção de experiência, embora tenha sido criticada e transformada por diferentes correntes da filosofia contemporânea, ainda se apresenta como uma noção fundacional para abordar questões epistemológicas, ou seja, problemas relacionados à teoria do conhecimento.

Filosofias empiristas

Na perspectiva do empirismo – cujos pensadores de referência foram Francis Bacon (1561-1626), John Locke (1632-1704) e David Hume (1711-1776) -, todo o conhecimento que os seres humanos podem acessar objetivamente, o que sabemos com certeza , está circunscrito às nossas experiências empíricas, ou seja, ao que realmente vivenciamos. A resposta empirista foi dirigida contra o racionalismo, representado por René Descartes (1596-1650), corrente que afirmava que todo conhecimento válido era baseado na razão e não em dados dos sentidos.

Assim, para o empirismo clássico, o único conhecimento legítimo que temos é produzido a posteriori, ou seja, sempre depende de nossas percepções na experiência. Nossas ideias, dessa forma, derivam da sensação. Então, a totalidade do conhecimento válido pode ser explicada referindo-se aos dados dos sentidos.

A experiência na crítica kantiana

Do ponto de vista empirista, a experiência revelou-se tanto o ponto de partida do processo cognitivo quanto o conteúdo do conhecimento. Diante disso, Immanuel Kant (1724-1804), que assume tanto a herança racionalista quanto a empirista, aponta que o empirismo cai num beco sem saída, pois, se as ideias sempre correspondem às sensações, visto que todo julgamento corresponde a um fato, então qualquer conhecimento que afirme questões gerais ou conexões entre fatos é impossível. Dessa forma, como apenas juízos particulares são válidos, se cairia no ceticismo.

Para Kant, a experiência não pode ocorrer sem se referir a um sujeito que a reúna, pois, nesse caso, ela consistiria simplesmente em uma rapsódia de percepções caóticas. Então, é uma condição de possibilidade da experiência, uma subjetividade que sintetiza as impressões, tornando-as suas. Os sentidos fornecem a matéria do conhecimento por meio das sensações, ao mesmo tempo em que nossas estruturas subjetivas operam moldando a forma como recebemos tais sensações, sob as categorias de espaço e tempo (formas puras de sensibilidade).

Embora o conhecimento comece com a experiência ele não se restringe a ela, pois requer uma intervenção ativa do entendimento por meio de conceitos puros (dados a priori, ou seja, independentes da experiência) sobre o material fornecido pelas sensações. Por sua vez, a síntese das percepções deve necessariamente referir-se à consciência de um “eu” que as une, à qual Kant se refere sob o termo apercepção transcendental.

O conceito de experiência numa perspectiva crítica

Uma das críticas mais fortes que foram feitas contra a noção de experiência, formulada pelo pensamento hegemônico ocidental, foi introduzida por epistemologias críticas enquadradas na teoria feminista do final do século XX. A partir dessa perspectiva, destacou-se que essa noção foi proposta de forma correlata à de um sujeito universal, cujas características implícitas supunham um viés androcêntrico e colonialista.

Em seguida, as epistemologias feministas enfatizam a relevância de explicar os modos como a experiência é condicionada por contextos atravessados por relações de poder, que determinam o campo do saber.

Assim, a experiência não é produzida sempre da mesma forma, uma vez que está sujeita ao ponto de vista do sujeito que a protagoniza e aos traços que o caracterizam (classe, etnia, gênero, etc.).

Artigo de: Lilén Gomez. Professora de Filosofia, com desempenho em ensino e pesquisa em áreas da Filosofia Contemporânea.

Referencia autoral (APA): Gomez, L.. (nov., 2022). Conceito de Experiência. Editora Conceitos. Em https://conceitos.com/experiencia/. São Paulo, Brasil.

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