Conceito de Catarse

Lilén Gomez | ago. 2022
Professora de Filosofia

Ao traçar o uso do termo catarse (pelo grego kátharsis) na religião e no pensamento da antiga Grécia, —antes da inflexão que, como veremos, Aristóteles introduz— é possível apontar três sentidos principais em que a palavra é usada: fisiológico, religiosos e psíquicos.

1. A nível fisiológico, o termo catarse refere-se ao procedimento de “purga”, pelo qual é induzida a expulsão de substâncias nocivas do corpo (não apenas no caso do corpo humano, mas, em um marco geral).

2. Na religião, a catarse poderia ser traduzida como expiação ou purificação, isto é, o ato de remover a estranheza de uma coisa, pela qual ela é deixada em estado de perfeição de acordo com sua própria essência. A referida purificação é entendida como a libertação —através de cerimónias e ritos sagrados— de certas “impurezas” que, neste contexto, são interpretadas como “culpas”.

3. No psíquico, a catarse está associada ao expurgo fisiológico ou à purificação no sentido religioso, pois supõe uma purificação das paixões da alma, para trazer a cura de seus males.

A catarse no corpus aristotélico

Na obra de Aristóteles, pela primeira vez, o termo catarse é usado no contexto de uma teoria poética. Em Poética e em Política, aparece usado em dois sentidos diferentes: de um lado, estético, de outro, médico. A novidade que Aristóteles introduz é o uso do termo no primeiro sentido, estético, aplicado à poesia dramática típica da tragédia. Embora o uso feito pelo filósofo esteja relacionado aos significados anteriores que lhe foram dados, até então, nenhum termo coincidia com o uso estético que aparece em relação à condição artística da tragédia grega.

O princípio que está na base da tragédia, na explicação aristotélica desenvolvida na Poética, é o da imitação. Na tragédia, uma ação é imitada, apresentada em uma estrutura racionalmente ordenada do início ao fim. A probabilidade da sucessão de atos reside no fato de que ela é necessária em termos racionais. Ao contrário do relato histórico, a poesia desenvolve uma história geral: não expressa a particularidade de um evento, mas sim uma dimensão universal do conhecimento humano. A poesia trágica consiste, então, na imitação de uma ação que desperta compaixão e medo, devido à sua própria estrutura. No decorrer da tragédia, revela-se um mal que é consequência racional dos atos do herói trágico e que ele sofre, levando o espectador a temer que algo semelhante aconteça com ele, pois se identifica com ele e sente compaixão. O medo deriva do desejo de evitar o mal e, com esse desejo, opera-se um expurgo visando corrigir as paixões que causariam um infortúnio como o do herói, com quem o espectador simpatiza.

O valor catártico da tragédia é, portanto, um valor prático: a tragédia do herói se traduz em um aprendizado no espectador. A catarse é possível dada a distância estética que separa o espectador da desgraça do herói; Graças a essa distância aberta pela ficção, é possível que a contemplação do horror produza, em vez do medo, um novo conhecimento, acompanhado de prazer estético.

A catarse na psicologia

Na psicanálise, a partir dos desenvolvimentos de Freud e Breuer, a catarse adquire um significado técnico específico, pelo qual se denomina a operação de trazer uma ideia ou memória recalcada à consciência, de tal forma que se produz uma liberação “psíquica” do sujeito. A ação catártica, na terapia, tem um efeito curativo: a reencenação de intensos afetos reprimidos, representando-os, permite um trabalho analítico sobre essas emoções, colocando em prática a cura por meio da transferência.

A “resolução” de emoções reprimidas por meio da análise, distanciando-se emocionalmente delas, possibilita uma purificação da mente de tais emoções. Nesse sentido, a interpretação da catarse trágica em termos psicanalíticos supõe um sentido terapêutico na representação teatral, que dá espaço à manifestação da dinâmica psíquica inconsciente.

Artigo de: Lilén Gomez. Professora de Filosofia, com desempenho em ensino e pesquisa em áreas da Filosofia Contemporânea.

Referencia autoral (APA): Gomez, L.. (ago., 2022). Conceito de Catarse. Editora Conceitos. Em https://conceitos.com/catarse/. São Paulo, Brasil.

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