O adjetivo antagônico procede da forma sustantiva antagonismo, subscrevendo a forma do latim tardio antagon-, de antagonista, no sentido de ‘rival’, ‘oponente’, em relação ao grego ἀνταγωνιστής (antagōnistḗs), sobre o verbo ἀνταγωνίζεσθαι (antagōnízesthai), emquanto ‘confrontar’, ‘opor’, ‘competir’. O sufixo grego -ισμός (-ismós) é conjugado, conforme corrente, para formar a palavra antagonismo; e o sufixo -ικός (-ikós), para antagônico, em função da adjetivação com propriedade derivada.
O conceito de antagonismo, do ponto de vista das Ciências Sociais e Humanas, é central para uma série de abordagens teóricas que, na segunda metade do século XX, se propuseram recuperar a noção de conflito social como traço constitutivo da ordem social e não como um vício das relações humanas. Nessas perspectivas, o antagonismo aparece na teoria política contemporânea —particularmente, nos trabalhos do filósofo argentino Ernesto Laclau (1935-2014)— como uma dimensão fundamental dos sistemas democráticos.
Antagonismo e luta de classes
A concepção de antagonismo proposta por Laclau deve ser considerada na perspectiva da inscrição de sua teoria na corrente pós-marxista. O marxismo clássico defendia uma análise da história em termos de objetividade, ou seja, a história da humanidade poderia ser explicada a partir de uma estrutura que se manteve inalterada ao longo do tempo. Essa estrutura, em virtude da qual a história avança, responde a um tipo específico de relação entre os agentes sociais em disputa, ou seja, a luta de classes. Laclau propõe uma reconceituação da dinâmica social não baseada na categoria de classe social, visto que busca diferenciar-se da análise “determinista” do marxismo, na medida em que atribuiu um papel às classes sociais no espaço político já estruturado segundo uma teleologia anterior.
Em outras palavras, o marxismo, ao pensar a história a partir de uma lógica dialética, que culmina com o fim do capitalismo, omitiu as contradições empíricas que ocorrem no interior das próprias classes sociais, cujos interesses nem sempre refletem suas condições materiais de existência. Assim, as classes oprimidas, muitas vezes, não manifestam a contradição contra as classes opressoras que o marxismo lhes atribui, mas assumem posições reformistas ou, até mesmo, os próprios interesses das classes opressoras. Dessa forma, aponta Laclau, pertencer a uma classe social não determina a ideologia política de um indivíduo.
Para o filósofo argentino, o espaço político é atravessado por relações hegemônicas que se constroem no discurso e, consequentemente, mantêm uma “abertura” do social para além das estruturas objetivas. Nesse sentido, a luta de classes que, para o marxismo, acabou levando à emancipação das classes oprimidas, se apresenta aqui como uma relação de antagonismo, que é constitutiva das relações sociais na esfera do político e, portanto, não se orienta para uma resolução, mas se sustenta ao longo da história.
Antagonismo e hegemonia
O que estabelece a possibilidade de antagonismo é, precisamente, a falta originária de uma determinada estrutura social —essa falta é caracterizada por Laclau sob o conceito de deslocamento—. Nesse sentido, o antagonismo pode ser definido como a luta entre diferentes projetos discursivos, que competem para ocupar a hegemonia no espaço político. O que define o antagonismo, então, é seu caráter contingente, a partir do qual se funda a impossibilidade de qualquer ordem social objetiva, ou seja, de qualquer estrutura. A radicalidade da noção de antagonismo está na dimensão contingente que ela acarreta, já que não pode ser redirecionada para uma teleologia, ou seja, não pode ser resolvida dialeticamente, ao contrário do que o marxismo ortodoxo propunha.
Toda ordem social é constitutivamente deslocada, na medida em que toda configuração social é simbólica ou discursiva e, portanto, nunca coincide plenamente com a realidade. Então, há sempre uma “brecha ontológica” entre a ordem da representação e a ordem da realidade, que impede radicalmente a resolução do conflito em uma instância de superação. Assim, finalmente, o antagonismo é a condição de possibilidade da própria política.
Artigo de: Lilén Gomez. Professora de Filosofia, com desempenho em ensino e pesquisa em áreas da Filosofia Contemporânea.
Referencia autoral (APA): Gomez, L.. (Outubro 2022). Conceito de Antagónico/Antagonismo. Editora Conceitos. Em https://conceitos.com/antagonico/. São Paulo, Brasil.