A alteridade é a qualidade pela qual o outro se distingue de seus pares, isto é, se diferente do próprio. É uma noção que tem sido estudada por várias disciplinas e, em particular, amplamente desenvolvida por diferentes correntes da Filosofia Contemporânea, bem como pela Antropologia Cultural.
O conceito de alteridade foi desenvolvido, por volta do século XX, no âmbito da Antropologia Cultural, de forma a delimitar o objeto de estudo da disciplina, isto é, a alteridade cultural. Dentro desse campo existem diferentes formas de conceituar a alteridade, que variam entre diferentes teorias e, por sua vez, foram se transformando ao longo do tempo, em diferentes momentos históricos.
Inicialmente, a ideia do “Outro” cultural foi percebida como fato factual, sob os modelos explicativos vinculados à origem da antropologia no contexto da fase de expansão imperialista do capitalismo, cuja manifestação foi o avanço colonialista das grandes potências econômicas mundiais. Considerando as concepções da antropologia do final do século XIX, cujo objeto de estudo se delineava em relação às necessidades expansionistas do capital, a representação do “Outro” cultural aparece atravessada pela divisão territorial entre as metrópoles industrializadas e as colônias (das quais não apenas extraíam matérias-primas, mas que também representavam novos mercados onde colocar os produtos elaborados).
A disciplina antropológica nasceu, nesse sentido, como uma ciência dedicada ao estudo dos “outros” colonizados, constituídos por todos aqueles povos sobre os quais as potências econômicas da Europa e da América do Norte exerceram seu domínio. Os povos que viviam em territórios conquistados ou distantes das metrópoles eram percebidos como menos evoluídos e caracterizados como primitivos ou selvagens. Assim, a alteridade era entendida em termos de inferioridade em relação à identidade cultural da “civilização” que, por sua vez, se identificava com os modos de vida ocidentais.
Para a Antropologia do século XX, marcado pelo acontecimento das Guerras Mundiais, as teorias do “Outro” cultural devem ser ressignificadas, de modo que a diferença não seja mais interpretada de forma negativa e pejorativa. A noção de alteridade aparece como uma dimensão do diferente, que deve ser pensado em seus próprios termos e não em comparação com a cultura hegemônica, de forma etnocêntrica.
A humanidade, portanto, é entendida como culturalmente diversa. Após a Segunda Guerra Mundial, destaca-se a questão do extermínio do “outro” como um problema profundamente enraizado nos caminhos do pensamento ocidental, bem como a necessidade de sua transformação. As Ciências Antropológicas, doravante, não mais definem as sociedades primitivas como seu objeto de estudo, mas propõem a análise das sociedades atuais e suas formas de se relacionar com o “outro” em suas múltiplas dimensões.
A questão do “outro” na filosofia tem adquirido grande relevância em suas correntes contemporâneas, dentre as quais se destacam as correntes abertas por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Nietzsche (1844-1900).
No caso de Marx, a noção de ideologia responde a pretensão de universalidade da razão, tal como foi levantada pelo cânone filosófico ocidental, como negação do outro. A tradição filosófica tem sustentado, sob a ideia de uma racionalidade universal, os interesses das classes dominantes, atribuindo aos outros culturais a característica do irracional. Com base em leituras marxistas, alguns autores têm argumentado que a suposta universalidade da razão se baseia em uma operação ideológica da burguesia que lhe permitiu esconder seu domínio sobre as classes dominadas —formadas não apenas pelo proletariado, mas pelo conjunto de povos conquistados – caracterizando-os como irracionais e impondo-lhes seus próprios interesses.
Por sua vez, as teses nietzschianas sobre a noção de alteridade deram origem à ideia de um perspectivismo, ou seja, da impossibilidade de chegar a uma única realidade, mas apenas às interpretações que temos sobre ela. Deste ponto de vista, o mundo configura-se essencialmente por uma multiplicidade de perspectivas, de modo que a noção de uma verdade fundamental, essencial, idêntica a si mesma, é sempre posta em tensão pela alteridade, o diferente, aquilo que não pode ser entendido em termos totalizantes.
Artigo de: Lilén Gomez. Professora de Filosofia, com desempenho em ensino e pesquisa em áreas da Filosofia Contemporânea.
Referencia autoral (APA): Gomez, L.. (Março 2023). Conceito de Alteridade. Editora Conceitos. Em https://conceitos.com/alteridade/. São Paulo, Brasil.