Conceito de Perspectiva

Lilén Gomez | Março 2023
Professora de Filosofia

Falamos em perspectiva para nos referirmos tanto ao ângulo de visão de um dado objeto como aos pontos de vista que se põem em jogo sobre uma determinada questão. Focando nas humanidades, em especial no âmbito da filosofia e das ciências sociais, nasceu à ideia de perspectivismo como forma de conceituar o que existe —em seu aspecto ontológico—, bem como a maneira pela qual podemos conhecer o que existe —em seu aspecto epistemológico—.

A partir do perspectivismo, o debate entre o racionalismo (segundo o qual só podemos conhecer o mundo através da nossa razão intelectual) e o empirismo (segundo o qual só conhecemos através dos nossos sentidos) é desarticulado, pois, em última análise, o que está em questão é a separação entre sujeito e objeto.

A teoria do perspectivismo de Nietzsche

A filosofia elaborada por Friedrich Nietzsche (1844-1900) pode ser caracterizada como um perspectivismo, na medida em que afirma que não existem fatos objetivos que constituam uma verdade absoluta, essencial ou substancial, mas que a única coisa que temos é uma multiplicidade de interpretações subjetivas, isto é, perspectivas infinitas sobre a realidade. Nietzsche, dessa forma, questiona as bases epistemológicas, gnosiológicas e ontológicas da tradição filosófica ocidental, que se baseava na concepção do conhecimento como acesso à verdade sobre o mundo.

A relação do homem com o mundo é mediada, então, pela identidade entre conhecer e interpretar. Conhecer o mundo não é mais decifrá-lo, mas o próprio processo infinito de interpretação. O conhecimento é, nesse sentido, uma perspectiva criativa que, no entanto, esta não deve ser descartada como falsa, pois tais perspectivas são geradas porque são úteis para a vida prática. Isso quer dizer que, em última instancia, o conhecimento não consiste em uma aproximação à verdade, mas na produção de erros ou ficções úteis, isto é, perspectivas, que nos permitem orientar-nos na vida em geral.

Segundo Nietzsche, o perspectivismo é uma condição fundamental para a vida. Consequentemente, a imposição de uma perspectiva sobre outras não depende de sua relação com a verdade, mas sim do que o filósofo chama de vontade de poder, o que explica as relações de poder entre uma pluralidade de interpretações concorrentes.

A perspectiva para a Antropologia

Alinhado com a corrente filosófica perspectivista aberta por Nietzsche —e com profunda influência dos filósofos Gilles Deleuze (1925-1995) e Félix Guattari (1930-1992) —, o antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro (1951) fundou a corrente chamado ‘perspectivismo ameríndio’, voltado para o estudo etnográfico dos povos amazônicos.

Em sua obra (2013), Viveiros de Castro discute o ideal moderno de objetividade, utilizando as categorias de perspectivismo interespecífico, o multinaturalismo ontológico e alteridade canibal, por meio das quais, por sua vez, descreve as cosmovisões dos povos indígenas americanos. A ideia fundamental do perspectivismo ameríndio é que o mundo é feito de uma multiplicidade de pontos de vista, que não só correspondem aos dos seres humanos, mas também aos de uma multidão de seres vivos não humanos (onças, antas) e não vivos (como as estrelas ou as pedras).

A capacidade de assumir um ponto de vista confere a todas as formas de existência mencionadas a categoria de pessoas, isto é, de agentes subjetivos. A posição de pessoa é relacional e contextual, na medida em que faz parte de uma sociabilidade composta por predadores e presas. Nesse sentido, a categoria de pessoa não se restringe à humanidade, mas é interespecífica.

A distinção entre natureza e cultura assumida pela antropologia tradicional, por consequência, é acentuada, ao ampliar as margens da sociabilidade em direção ao cosmos em geral. Dessa ideia surge, por sua vez, o conceito de uma cosmopolítica.

O perspectivismo de Viveiros de Castro não se define como relativismo, o que afirmaria que existem diferentes olhares sobre a mesma realidade. Ao contrário, para o autor, os próprios objetos — ou seja, o universo — se transformam conforme quem os observa: onças e humanos não veem o mesmo mundo.

Artigo de: Lilén Gomez. Professora de Filosofia, com desempenho em ensino e pesquisa em áreas da Filosofia Contemporânea.

Referencia autoral (APA): Gomez, L.. (Março 2023). Conceito de Perspectiva. Editora Conceitos. Em https://conceitos.com/perspectiva/. São Paulo, Brasil.

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