Conceito de Relativismo Cultural

Águeda Muñoz Gerardo | Julho 2023
Lic. em Antropologia Física

O relativismo cultural é uma corrente de pensamento antropológico fundada por Franz Boas no início do século XX após a publicação de seu livro “The mind of primitive man”, onde estabelece que não há hierarquias entre as populações humanas e que as diferenças entre uma sociedade e outra não é dada pelo que se convencionou chamar de “raça”, mas pela variedade das manifestações culturais.

A proposta de Boas resultou particularmente interessante porque, foi revolucionária para a época. Surgiu em um momento em que o evolucionismo unilinear reinava entre os estudos científicos e permeava as decisões políticas que se faziam no mundo, então, quando Boas desenvolveu essas ideias, ele não estava apenas invertendo a incipiente antropologia institucionalizada, mas também desafiando chefes de estado e poderes econômicos.

Para fortalecer às explicações do relativismo cultural, considera-se que o contexto é a chave, ou seja, cada cultura deve ser descrita nos seus próprios termos e com base na sua própria história. Para isso é necessário conhecer a língua e os processos históricos particulares do grupo de interesse, possibilitando compreender a forma como os seres humanos deste ou daquele grupo agem sem cair nos julgamentos dados por nossa própria visão de mundo, isto é, por nossa própria interpretação da realidade.

Com esta metodologia em mente, também é feita uma crítica ao etnocentrismo, entendendo este termo como a ideia de que uma determinada cultura se desenvolve mais eficazmente do que a cultura de outros povos ou, que possui melhores qualidades e, portanto, destaca-se como uma “verdadeira” leitura da realidade humana ou do que “deveria” ser o homem como espécie.

Em resumo, esta proposta poderia ser enunciada em uma frase poderosa: todas as culturas são valiosas e não há níveis ou hierarquias entre elas. Não existe cultura melhor que outra, nem uma mais evoluída que outra.

Princípios, debates e exemplos de relativismo cultural

Os argumentos do relativismo cultural são de grande importância hoje, visto que as ondas de intolerância continuam a crescer em todo o mundo. Essa perspectiva nos permitiria perceber que outros modos de vida são válidos, por exemplo: existem grupos humanos que não precisam viver estabelecidos ao estilo das cidades, isto é, em casas “tradicionais”, porém, os governantes continuam propondo reformas ou programas para “organiza-los”, tal como o caso dos grupos Yuman do norte do México, que têm uma tradição muito antiga de grande mobilidade e assentamentos dispersos.

Para os Yumans, a ideia de viver em um povoado definido de forma permanente não condiz com o estilo como eles se relacionam com seu ambiente, o deserto, onde os recursos são melhor aproveitados dependendo da estação e do local, portanto, ficar em um único ponto representaria uma escassez constante, além disso, a maneira como eles se organizam socialmente, que é definido por linhagens, não lhes permite uma convivência pacífica a longo prazo. No entanto, ainda há esforços do poder federal para que os yumans se estabeleçam em cidades, pratiquem agricultura ou apicultura e assim se insiram na dinâmica econômica nacional, ou seja, ainda não há o reconhecimento por parte do Estado de que a visão de mundo do Yumans é competente no contexto atual.

Torna-se muito importante não levar estas ideias ao extremo como justificativa para práticas de abuso dos Direitos Humanos sob o argumento de que se está respeitando a autonomia das populações. Quando um costume ou tradição é repudiado ou questionado pelos próprios membros da cultura em que é realizado, é hora de refletir sobre nosso papel como agentes externos: devemos permanecer neutros ou atender a pedidos de ajuda? Essa pergunta não é fácil de responder e tem uma diferente resposta para cada contexto apresentado, mas algo que pode guiar nossas resoluções é reconhecer que as tradições mudam e ao menos o dever do antropólogo é rastrear seu desenvolvimento.

Para ilustrar algumas dessas situações, temos os casos de mutilação genital feminina na África e o uso do hijab no Irã. No primeiro caso, há uma divisão entre uma parte da população que quer preservar a tradição e outra que busca salvar suas filhas dela. Para resolver a questão, já houve até reuniões com a população envolvida, mas não se chegou a um acordo, o que não tem impedido que haja esforços internacionais que busquem eliminar essas mutilações.

No segundo caso, há um grande número de mulheres que se rebelam contra o uso forçado e estrito de certas vestimentas, suas expressões de repúdio foram ignoradas, o que levou a um aumento de ações de represália e/ou violência contra elas, estendendo-se inclusive a outros setores da população como, por exemplo, com a interrupção dos sinais wi-fi no Irã para se evitar que palavras de desagrado atinjam níveis internacionais.

Em ambos os casos estão em jogo vários fatores, mas o que se identifica de imediato tem a ver conceitos religiosos e morais que cada grupo considera como correto, contudo: como se estabelecem estes princípios? De onde eles vêm se uma parte importante do grupo humano que eles afetam está tão descontente? O que fazer com valores culturais que transgridam a dignidade humana? Onde colocaríamos a linha entre o respeito à diversidade cultural e a indiferença ao sofrimento?

Artigo de: Águeda Muñoz Gerardo. Licenciada em Antropologia Física pela Escola Nacional de Antropologia e História. Mestre em Antropologia pela Universidade Nacional Autônoma de México. Atualmente cursa o doutorado em Antropologia na UNAM. Entre seus temas de interesse estão migrações humanas, antropologia genética e povos indígenas de México.

Referencia autoral (APA): Muñoz Gerardo, Á.. (Julho 2023). Conceito de Relativismo Cultural. Editora Conceitos. Em https://conceitos.com/relativismo-cultural/. São Paulo, Brasil.

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