Conceito de Condenação Social

Lilén Gomez | Março 2023
Professora de Filosofia

A “condenação social” é, na linguagem comum, um conjunto de formas sócio-históricas através das quais os rituais de aplicação da justiça são executados sem a mediação dos tribunais institucionais, através de práticas punitivas ou da infâmia por meio da opinião pública. Em muitos casos, a condenação social é articulada onde a aplicação das leis é nula ou insuficiente aos acontecimentos. No entanto, há casos em que são acionados mecanismos de condenação social que não respondem à implementação de alguma forma de justiça, mas sim a situações de estigmatização contra determinados atores sociais.

A genealogia da condenação social

Seguindo o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), a condenação social consolidou-se nas sociedades ocidentais do final da Idade Média como uma das principais estratégias de punição, cuja principal característica é a sua dimensão de espetáculo, na medida em que consiste na aplicação de uma punição ou sanção baseada na exposição à opinião pública. Nesse sentido, a condenação pública estaria ligada à encenação de uma série de rituais de degradação e humilhação pública.

Já na Modernidade, segundo o filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas (1929), a condenação social assume uma posição de excelência da opinião pública no espaço aberto pelos meios de comunicação de massa, que se constituem como um campo paradigmático de práticas difamatórias. Este espaço foi agora estendido às redes sociais em geral. Segundo Habermas, há uma relação de transferência entre a opinião pública e a ordem jurídica institucional, que transforma a primeira em um ritual disciplinar para-judicial.

Condenação Social e Direitos Humanos

Há, porém, experiências históricas em que se verificam processos não lineares de condenação social, em que esta se manifesta na forma de procedimentos práticos de produção de justiça, que envolvem uma prática política de bairro e comunidade. É o caso da figura do “escrache popular”, que se desenvolveu na Argentina (e, similarmente, no Chile) no contexto da última pós-ditadura, como resposta a uma “política de perdão” por parte das instituições do estado — uma vez recuperada a democracia — para com aqueles que cometeram crimes contra a humanidade durante a Ditadura Militar que ocorreu entre 1976 e 1983. Esta política foi marcada pelas Leis de Obediência Devida e Ponto Final, que concederam indultos aos ex-repressores.

Sob o lema “sem justiça há escrache”, durante a década de 1990, surgiram no espaço urbano das ruas diversos rituais de condenação social — desmoralização e ridicularização —, organizados principalmente por entidades de direitos humanos integradas por familiares de detentos, desaparecidos, torturados e exilados durante o regime militar. O objetivo dos escraches não era uma mera prática punitiva, que substituiria a justiça oficial (ou a falta dela), mas se voltava para a construção de uma memória coletiva territorial. Estes consistiram na pratica de marcar os locais onde viviam os “ex”genocidas, cúmplices civis e os centros de detenção clandestinos, onde eram mantidas as vítimas sequestradas desta ditadura e, por onde transitavam diariamente os moradores da região muitas vezes sem saber o que aquele local representa. Os escraches consideravam uma mobilização política, mas também uma dimensão artística, implicada na sinalização do trabalho através de cartazes, ações de mapeamento, ações performativas, etc.

A condenação social nas agendas atuais

Na América Latina, os processos de condenação social levados a cabo por organizações de Direitos Humanos tornaram-se um modelo para denúncias públicas realizadas por vítimas de violência de gênero. Desde o crescimento das redes sociais a partir de 2010, as mais populares paginas de interação social têm servido como espaço de denúncia e visibilidade de diversos tipos de agressões não tipificadas como crimes ou cuja abordagem no âmbito da justiça institucional é, em muitos casos, insuficiente e revitimizadora para as vítimas. A prática do linchamento virtual nas redes sociais tem sido amplamente discutida, na medida em que o seu carácter punitivo não seria suficiente para responder pela complexidade dos fenómenos que dizem respeito a configuração da sociedade como, por exemplo, o patriarcado.

Artigo de: Lilén Gomez. Professora de Filosofia, com desempenho em ensino e pesquisa em áreas da Filosofia Contemporânea.

Referencia autoral (APA): Gomez, L.. (Março 2023). Conceito de Condenação Social. Editora Conceitos. Em https://conceitos.com/condenacao-social/. São Paulo, Brasil.

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