Conceito de Sincericídio

Lilén Gomez | Abril 2023
Professora de Filosofia

A palavra “sincericídio” circula no uso cotidiano e coloquial da linguagem referindo-se ao modo de dizer a “verdade” de forma absoluta e sem levar em conta os efeitos, seja para quem a enuncia, seja para os destinatários dá a mensagem. Cometer “sincericídio” implica, no contexto de uma conversa, comunicar ou receber uma impressão (por exemplo, uma caracterização ou uma expectativa) sobre o interlocutor ou sobre si mesmo, que pode ser prejudicial ao ouvinte.

O termo estabelece um jogo de palavras a partir da conjunção entre “sinceridade” e “suicídio”, dando a entender que aquele que fala com extrema sinceridade se coloca em situação de exposição perante os outros, que resulta negativa para si mesmo.

Falhas de comunicação

O sincericídio ocorre como uma falha na comunicação entre as pessoas que dialogam. A comunicação é uma importante condição de possibilidade para a convivência comunitária, na qual os indivíduos compartilham suas necessidades e interesses e são reconhecidos pelos outros, enquanto fazem o mesmo com os demais. Todos os seres humanos precisam ser reconhecidos por seus pares, dentro do grupo social do qual fazem parte, para se integrarem à vida social.

Para que haja um diálogo, algumas condições devem ser atendidas: em primeiro lugar, a escuta, não com o objetivo de falar de si depois, mas a partir da avaliação do outro como tal. Ouvir ativamente o outro implica tentar compreender o seu ponto de vista, as suas emoções e raciocínios, de forma empática e sem assumir uma atitude preconceituosa ou centrada nas nossas opiniões. Assim, ouvir o outro significa manter a abertura, mesmo com as pessoas de quem discordamos, e respeitar quem pensa diferente.

Em segundo lugar, para que haja comunicação, devemos expressar nossas ideias, sentimentos e formas de entender o mundo, ao mesmo tempo, sem assumir que ele é como o percebemos. Ao sermos honestos sobre nós mesmos, nossas expectativas, pensamentos e sentimentos, assumimos uma posição que nos torna vulneráveis aos outros. É por isso que muitas pessoas preferem estabelecer distância, evitando a aproximação com outras pessoas.

Consequentemente, a comunicação pode falhar por dois motivos que se polarizam: por um lado, quando há falta de honestidade ou, mesmo, quando se incorre em mentira; por outro lado, quando a troca é considerada em termos de sinceridade absoluta, o que é conhecido em alguns contextos como “sincericídio”.

Oferecer e solicitar feedback responsável sobre como nos comunicamos e registramos as necessidades dos outros pode ser muito favorável para corrigir falhas na troca com eles. O feedback reafirma comportamentos positivos e ajuda a corrigir problemas de comunicação.

Por exemplo, pedir ao outro que expresse suas críticas de forma moderada, ou que não as esconda, pode contribuir para compreender a forma como nos relacionamos, a partir do entendimento das necessidades de cada interlocutor e, consequentemente, ajudar a corrigir falhas de comunicação. Na medida em que as reações ao comportamento do outro não são expressas, os efeitos mútuos de nossos comportamentos são desconhecidos, o que pode levar a uma deterioração do relacionamento.

Verdade e mentira

Há uma distinção entre sinceridade na comunicação e seus dois casos limítrofes: a sinceridade absoluta (sempre dizendo toda a verdade) e a mentira sistemática. Quando dizemos que alguém está mentindo, estamos nos referindo a uma falta de coerência entre sua palavra e os fatos, de forma que o valor da comunicação é corroído, pois o ator em questão acaba perdendo toda a credibilidade.

No entanto, em certos casos, a comunicação se sustenta na base de não dizer a verdade absoluta, pois em certos contextos fazê-lo pode ser agressivo para com os outros, colocando em risco a convivência.

Para evitar o sincericídio, bem como a mentira nos casos em que pode ser prejudicial, é preciso considerar a relação em que se inscreve a conversa e atentar para a preservação do bem-estar do interlocutor.

Imagem: Fotolia. luismolinero

Artigo de: Lilén Gomez. Professora de Filosofia, com desempenho em ensino e pesquisa em áreas da Filosofia Contemporânea.

Referencia autoral (APA): Gomez, L.. (Abril 2023). Conceito de Sincericídio. Editora Conceitos. Em https://conceitos.com/sincericidio/. São Paulo, Brasil.

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