A interseccionalidade se baseia em um conjunto de fatores sociais que influem, geralmente de forma negativa, a vida dos membros de um grupo minoritário da sociedade. Dentro das teorias feministas, o conceito de interseccionalidade refere-se à sobreposição entre relações de poder de caráter diverso que compõem um quadro de lógicas de dominação, que não se limitam apenas a opressão dos homens sobre as mulheres.
O desenvolvimento nas últimas décadas da noção de interseccionalidade no âmbito dos estudos feministas tem permitido uma compreensão mais abrangente da articulação dos sistemas de poder, não apenas com base no sexo e no gênero, mas também em outras dimensões, como a racialização, a classe social, a idade, entre outros.
No século XX, várias correntes feministas desenvolveram análises críticas da ideologia canônica da subjetividade da modernidade ocidental, particularmente europeia. Tais críticas evidenciaram os vieses ocultos na noção supostamente universal de sujeito: a rigor, tal noção não designa nenhum tipo de subjetividade, mas sim um sujeito masculino, branco, heterossexual, adulto e proprietário. Na medida em que essas características são as que definiram o ponto de vista a partir do qual essa noção foi formulada, ou seja, a noção de sujeito universal não parte de um ponto de vista abstrato e neutro, mas de um tipo específico de subjetividade, — a do homem europeu —, em relação ao qual todas as outras formas de subjetividade —, mulheres, homossexuais, indígenas, pessoas de cor, — são deshierárquizadas e, portanto, excluídas. Consequentemente, a teoria canônica no Ocidente foi, historicamente, moldada e direcionada para um tipo de subjetividade hegemônica, pertencente à lógica epistêmica dominante.
A crítica feminista ao androcentrismo da teoria foi, no entanto, em muitos casos formulada por identidades que, embora não se posicionassem em um papel hegemônico em termos de gênero, ocupavam posições privilegiadas com base em sua “raça” ou em sua condição social. Por isso, por volta dos anos 1970, diferentes referenciais do feminismo afro-americano —como o coletivo Combahee River (1974-1980); bell hooks (1952-2021); Audre Lorde (1934-1992); Angela Davis (1944)—propuseram como crítica ao fracasso do feminismo desenvolvido por mulheres brancas heterossexuais, pertencentes às classes médias da sociedade, em compreender como a racialização, a condição de classe e a orientação sexual particularizam a opressão que sofrem identidades subalternizadas, isto é, todas aquelas identidades que não se identificam com o homem cisgênero, branco e heterossexual.
Nessa perspectiva, o feminismo afro-americano tem criticado o ponto de vista do feminismo hegemônico por reproduzir uma reivindicação de universalidade e neutralidade a partir de uma posição privilegiada dentro do movimento, construindo assim uma norma tendenciosa que excluía e tornava invisíveis as experiências de outras subjetividades não identificadas com mulheres brancas, heterossexuais, de classe média e alta.
Nesse contexto, a advogada e teórica Kimberlée Crenshaw (1959) desenvolve o conceito de interseccionalidade, para se referir à complexidade de um sistema de estruturas de opressão múltiplas e simultâneas, em que raça e gênero interagem, dando origem à discriminação contra as mulheres em vários níveis.
Segundo Crenshaw, a interseccionalidade opera em dois níveis: estrutural e político. A interseccionalidade estrutural refere-se à articulação dos sistemas de discriminação de gênero, “raça” e classe social, cujo impacto na vida dos indivíduos e grupos sociais tem manifestações específicas. Por outro lado, a interseccionalidade política refere-se ao modo como as estratégias políticas voltadas para uma única dimensão da discriminação acabam por marginalizar aquelas subjetividades que sofrem múltiplas opressões, em decorrência dos diferentes sistemas de discriminação.
Ao não levar em conta a heterogeneidade dos grupos marginalizados, tais estratégias políticas resultariam em sua revitimização, enquanto suas demandas específicas não são levadas em conta ou visibilizadas, como foi o caso do feminismo hegemônico.
Partindo da ideia de uma identidade múltipla, as feministas afro-americanas conseguiram explicar as causas da subordinação de identidades subalternizadas como resultado de um quadro multifatorial. Com isto, fundamentalmente, colocou-se em tensão a ideia de uma identidade formulada em termos essencialistas, para dar lugar a uma compreensão desta como um processo de construção permanente, atravessado por contextos sociais e económicos.
Artigo de: Lilén Gomez. Professora de Filosofia, com desempenho em ensino e pesquisa em áreas da Filosofia Contemporânea.
Referencia autoral (APA): Gomez, L.. (Março 2023). Conceito de Interseccionalidade. Editora Conceitos. Em https://conceitos.com/interseccionalidade/. São Paulo, Brasil.