Conceito de Verdade

Lilén Gomez | Fevereiro 2023
Professora de Filosofia

No uso habitual da língua, quando falamos da verdade nos referimos à ideia de uma conformidade ou adequação, seja entre as falas e os fatos reais, seja entre o que se diz e o que se pensa ou se sente. Por sua vez, a verdade costuma ser associada ao indubitável, ou seja, ao que não pode ser questionado.

A verdade na antiguidade clássica

A verdade é uma das noções que mais polêmica gerou ao longo da história do pensamento, por isso não existe uma definição única que tenha um amplo consenso acadêmico majoritário. A distinção fundamental entre o verdadeiro e o falso remonta às origens do pensamento ocidental na Antiguidade grega, em obras como a do poeta e filósofo pré-socrático Parmênides, no século V a.C. A tese de Parmênides sobre a verdade foi denominada ante-predicativa, na medida em que afirma a inexistência do não-ser, ou seja, somente é aquelo que é verdadeiro, e, no sentido inverso, só é verdadeiro o que é; e enquanto só pudermos pensar e falar sobre aquelo que é, seria impossível dizer algo sobre o que não é.

Segundo a interpretação de Platão (427 a.C. – 347 a.C.) em seu diálogo sofista, a tese parmenidiana nega a possibilidade de mentiras ou falsidades; porém, na medida em que os sofistas expõem ilusões em seus discursos, é preciso explicar a verdade de forma que seja possível a existência de discursos que afirmem o que não é. Nesse sentido, Platão empreende uma crítica a Parmênides, para justificar a existência de falsos discursos. No primeiro caso, a verdade é assimilada à realidade existente, enquanto, no segundo, a verdade (ou falsidade) refere-se à adequação entre o que se afirma sobre o que existe e o que realmente existe. É por isso que a primeira forma tem sido denominada, dentro de certas tradições contemporâneas —como é o caso da interpretação do filósofo alemão M. Heiddeger (1889 – 1976)—, como ontológica ou antepredicativa e a segunda como predicativa. Assim, seguindo Platão, seu discípulo Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) afirmará que tanto a verdade quanto a falsidade ocorrem no pensamento, mas não são dadas como propriedades das próprias coisas; concepção que será retomada na Idade Média por Tomás de Aquino (1225 – 1274).

Note-se que, por sua vez, em seu diálogo República, Platão estabelece uma distinção entre ignorância, opinião e conhecimento, descrevendo este último como a contemplação da verdade por meio da razão. O conhecimento é verdadeiro na medida em que seu objeto são as Idéias, isto é, as essências de tudo o que existe, que são universais, singulares e invariáveis. Por seu lado, a opinião (que está a meio caminho entre a ignorância e o conhecimento) refere-se ao múltiplo, temporário e variável, pelo que não é um conhecimento verdadeiro.

A verdade como adequação e a verdade como exercício do poder

A ideia de que a verdade é o resultado da correspondência adequada entre os fatos e as afirmações tem sido retomada por diferentes correntes modernas no campo da filosofia das ciências. Essa posição tem sido fortemente questionada, considerando a obra do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844 – 1900) e seus sucessores como paradigmática nesse sentido. Nietzsche empreende uma crítica ao quadro conceitual entre a verdade e o conhecimento científico e racional, apontando que todo conceito é o resultado de um campo de forças concorrentes.

Em sua obra, Sobre a Verdade e a Mentira no Sentido Extramoral, a verdade é apresentada como um engano pelo qual os homens se impõem aos outros. O “mundo verdadeiro”, platônico e cristão, nada mais foi do que uma estratégia de afirmação da morte sobre a vida, pois a vida é marcada pela permanente transformação e devir, enquanto a verdade exige ser imutável e única. Dessa forma, Nietzsche entende que o recurso à verdade é simplesmente uma estratégia para validar certos discursos sobre outros; uma tese que será retomada nas filosofias europeias dos séculos XX e XXI, por autores como Michel Foucault (1926 – 1984) ou Jacques Derrida (1930 – 2004).

Artigo de: Lilén Gomez. Professora de Filosofia, com desempenho em ensino e pesquisa em áreas da Filosofia Contemporânea.

Referencia autoral (APA): Gomez, L.. (Fevereiro 2023). Conceito de Verdade. Editora Conceitos. Em https://conceitos.com/verdade/. São Paulo, Brasil.

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