Conceito de Dissenso

Lilén Gomez | Março 2023
Professora de Filosofia

Entendemos por dissenso o desacordo ou a diferença de pensamento entre duas ou mais partes a respeito de um tema ou questão em debate. O termo vem do latim dissentio, que suscita a ideia de ter/expressar uma posição oposta, baseado no verbo dissentīre, que se traduz como ‘dissertar’, ‘disputar’ sobre algo ou ‘discutir’ um assunto.

Dissenso negativo e positivo

Geralmente consideramos um dissenso de forma negativa, pois o comparamos ao consenso como sendo a situação ideal ou em referência a um acordo previamente estabelecido. Além disso, a dissensão está associada a uma característica das minorias. Nesses casos, é entendido como a negação do consentimento em relação a algo que não se deseja e que outra pessoa propõe, ou seja, a afirmação de algo que não se quer.

Ao contrário, o dissenso pode ser tomado, positivamente, como afirmação plena de uma alternativa diferente da dada e não apenas como mera negação dela. Considerado sob esta perspectiva, o dissenso funciona como fundamento ético-político para contextos democráticos, nos quais não se almeja um acordo total e absoluto entre as partes. Assim, a avaliação moral não dependeria formalmente da existência de consenso ou dissenso a respeito dos atos praticados por um grupo social ou de suas autoridades políticas, mas envolveria também o conteúdo dessas ações. Por exemplo, no caso de uma guerra, pode haver um consenso majoritário dentro de uma sociedade para a invasão de territórios de outro povo e, no entanto, esta pode ser uma ação moralmente condenável do ponto de vista desinteressado.

Paradoxalmente, a avaliação negativa do dissenso conduz potencialmente à afirmação de atitudes totalitárias, na medida em que se nega a possibilidade do desacordo e da diferença, em busca de um pensamento único. Nos Estados modernos, a condenação do dissenso e sua assimilação à ideia de transgressão e rebeldia constituiu historicamente um traço característico, assim como a negação do conflito social. Muitas vezes, em vez de oferecer uma solução, ele irá apenas aprofundar as divergências sociais que, ate então, passam despercebidas.

Consenso, dissenso e comunidade

DissensoA figura do consenso, em oposição à do dissenso, é hoje amplamente assumida como o princípio regulador do debate político, de tal forma que acaba por obstruir a possibilidade de discordância, resultando num “falso diálogo” em que as divergências entre as peças estão escondidas. Na atual conjuntura, marcada pelas democracias liberais, a noção de consenso tem sido questionada por alguns autores por responder, em última instância, a uma comunicação duvidosa ou falsa visto que os atores simplesmente toleram uns aos outros (por exemplo, no caso do pensador italiano contemporâneo Massimo Cacciari (1944)).

Seguindo o filósofo argelino Jacques Rancière, a atual política de consenso —ligada ao que ele chama de polícia, para fins de nomear a gestão do que é ouvido como fala e do que é considerado ruído— constitui, em última instância, uma negação da verdadeira política, uma vez que traduz o conflito em uma negociação que invisibiliza e exclui os interesses de grupos marginalizados pelo poder (atribuindo-lhes o status der “ruído”).

Diante de tal diagnóstico, Rancière propõe um exercício de repartição do sensível, ou seja, uma reestruturação das lógicas vigentes da política do consenso, em direção a uma política do dissenso, que toma como ponto de partida a aceitação do outro como sujeito capaz de articular um discurso antagônico. Nesse sentido, o filósofo refere-se particularmente ao reino do sensível, uma vez que a referida reestruturação consiste em tornar visível o que é invisível, ou em tornar audível o que não foi ouvido a não ser como ruído, transformando-o em um discurso legítimo. Tal exercício permitiria, então, a abertura de espaços de dissenso, essenciais para que a atividade política ocorra dentro de uma comunidade.

Artigo de: Lilén Gomez. Professora de Filosofia, com desempenho em ensino e pesquisa em áreas da Filosofia Contemporânea.

Referencia autoral (APA): Gomez, L.. (Março 2023). Conceito de Dissenso. Editora Conceitos. Em https://conceitos.com/dissenso/. São Paulo, Brasil.

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